Aminoácidos de Cadeia Ramificada para Pessoas com Encefalopatia Hepática

por Cochrane Library / 27 Outrubro 2017 / Estudo Científico
O objetivo deste estudo é avaliar os efeitos benéficos e prejudiciais dos aminoácidos de cadeia ramificada (BCAA) versus outras intervenções para os indivíduos com EH.

 
BCAA MELHORAM OS SINTOMAS DA EH

A EH é uma disfunção cerebral associada com uma doença hepática. A cirrose, condição em que o tecido fibroso (fibrose) substitui o tecido hepático normal, é a causa mais comum da EH. A severidade desta doença varia de sinais menores até o coma. As pequenas alterações são conhecidas como EH mínima. Já o estado evidente desta doença refere-se aos estágios mais graves com manifestações clinicamente aparentes, como alterações no nível de consciência ou anormalidades neuropsiquiátricas. 

A EH evidente em pessoas com cirrose, geralmente, ocorre devido a um evento como hemorragia varicosa ou infecções. A mortalidade se aproxima de 50% entre as pessoas que estão hospitalizadas com a forma evidente da doença e de 3% a 14% entre as pessoas com a EH mínima. Ambos os tipos da doença são associados a sintomas físicos e têm um impacto considerável na qualidade de vida.

Muitas pessoas com cirrose têm falta de aminoácidos, que são essenciais para a construção das proteínas. O organismo pode produzir diversos tipos de aminoácidos. Os que ele não produz são chamados de essenciais. Alguns destes aminoácidos essenciais possuem uma cadeia lateral (ramo) e são conhecidos como aminoácidos de cadeia ramificada (BCAA). Pessoas com cirrose, frequentemente, têm uma quantidade baixa dos três BCAA essenciais leucina, isoleucina e valina. Os BCAA desempenham um papel importante na geração dos músculos e nas sinalizações químicas do cérebro. Estes efeitos podem beneficiar os indivíduos com EH.

A patogênese da EH não é totalmente compreendida. Entretanto, tem-se o conhecimento de que a amônia desempenha um papel fundamental nesta doença. Assim, a maioria das intervenções para a EH são direcionados para a redução dessa molécula. A hiperamonemia é uma das principais causas da diminuição dos níveis de BCAA na cirrose hepática. Além disso, esses aminoácidos são consumidos no músculo esquelético na cirrose. Bioquimicamente, os BCAA fornecem ao tecido muscular esqueletos de carbono para a reposição de α-cetoglutarato, que pode ser esgotado durante uma hiperamonemia por meio de sua aminação aumentada para glutamato e, posteriormente, amidação do glutamato para glutamina. Concentrações de BCAA e glutamato no plasma e no tecido muscular são reduzidas em pessoas com cirrose e hiperamonemia, e a remoção da amônia no músculo é proporcional à remoção de BCAA em pessoas com cirrose. O músculo esquelético desempenha um papel fundamental na desintoxicação de amônia em pessoas com cirrose e vários estudos têm indicado que os BCAA realçam esta detoxificação. Os efeitos da suplementação de BCAA são complexos, podendo reduzir a desnutrição e reverter a perda de massa muscular comum em doença hepática severa e a degradação de proteína que ocorre em pessoas com EH. Uma massa muscular maior pode aumentar a desintoxicação de amônia extra-hepática. A atividade da glutamina sintetase é alta no tecido muscular e promove a desintoxicação da amônia para glutamina. O consumo de BCAA aumenta os níveis plasmáticos destes aminoácidos, reduz a proporção entre aminoácidos aromáticos e BCAA e podem aumentar ainda mais a detoxificação de amônia no músculo esquelético pelo processo de amidação para a síntese de glutamina. Além disso, a suplementação de  BCAA reduz o efluxo cerebral de aminoácidos aromáticos para o outro lado da barreira hematoencefálica e o desequilíbrio da síntese de dopamina, noradrenalina e serotonina. 

MÉTODOS
 
Tipos de Estudo

Foram incluídos ensaios clínicos randomizados independentemente do tipo de estudo, status de publicação ou idioma nas análises primárias e, para a análise de eventos adversos, houve a tentativa de identificar estudos quase randomizados e observacionais.
 
Tipos de participantes

Pessoas com EH evidente ou mínima associada com doença hepática aguda ou crônica. O diagnóstico pode ser feito com base em avaliações clínicas (por exemplo, usando escores padronizados), escores psicométricos e neurofisiológicos, eletroencefalográficos ou ensaios de laboratório (amônia). O diagnóstico baseia-se nos critérios relatados nos julgamentos individuais.
 
Tipos de intervenções

Quaisquer formas de BCAA, independentemente da dose ou duração. As pessoas em grupos controles poderiam receber placebo/sem intervenção, dietas, dissacarídeos não absorvíveis, antibióticos ou qualquer outra intervenção com um efeito potencial na EH.
 
Critérios Avaliados

Os principais critérios avaliados foram mortalidade (todas as causas), EH (número de pessoas sem manifestações de melhora da EH) e efeitos adversos (qualquer ocorrência médica desfavorável que, em qualquer dose, resultou em morte, hospitalização ou prolongamento da hospitalização, resultou em incapacidade, incapacidade persistente ou significativa, ou foi uma anomalia congénita, ou qualquer evento médico que possa ter comprometido a pessoa, ou exigiu intervenção para evitá-lo.
 
Os critérios avaliados secundariamente foram a qualidade de vida e os marcadores de estado nutricional, incluindo albumina e balanço de nitrogênio (a entrada de nitrogênio menos a saída de nitrogênio).
       
Na avaliação dos efeitos dos tratamentos, foi utilizada a razão de risco (RR) para os resultados dicotômicos e as diferenças de médias padronizadas (SMD) para resultados contínuos, ambos com intervalo de confiança (CI) de 95%. 

Metanálise

Foram realizadas metanálises de efeito randomizado e efeito fixo, mas os resultados da metanálise de efeito fixo foram reportados apenas se diferissem dos resultados do efeito randomizado.

RESULTADOS
 
Foram incluídos 16 ensaios clínicos randomizados nas análises qualitativas e quantitativas, com um total de 827 participantes com EH (97% tinham cirrose). Em 4 destes ensaios, os pacientes apresentavam EH mínima e evidente nos 12 ensaios restantes. 8 ensaios avaliaram a suplementação oral de BCAA vs. placebo/ não intervenção ou dietas em ambos os tipos de EH. 7 ensaios avaliaram a administração de BCAA intravenosa vs. Placebo/não intervenção ou dietas, neomicina ou lactulose em pacientes com EH evidente. 1 ensaio comparou os BCAA via oral ou intravenosa em relação a uma dieta controle para EH evidente. 
 
Participantes

Os ensaios incluíam 827 participantes com EH. Nenhum deles utilizou a deficiência de BCAA em seus critérios de inclusão ou exclusão. A maioria dos participantes (97%) tinha cirrose. A proporção de homens variou entre 47% e 90%, a proporção de pessoas com doença hepática alcoólica variou de 8% a 100% e a proporção de pessoas com hepatite viral variou de 0% a 81%. 

A idade média variou entre 47 e 64 anos. O tipo de EH foi mínimo em 4 ensaios e evidente nos 11 ensaios restantes.

Intervenções

Em 1 ensaio, a maioria dos participantes receberam BCAA por via oral e os que estavam em pior estado receberam BCAA por via intravenosa. 7 ensaios avaliaram os BCAA orais ou intravenosos. Os participantes que receberam BCAA por via intravenosa foram tratados em um hospital e o restante em regime ambulatorial. A dose de BCAA variou de 11 g/dia e 57 g/dia (mediana de 20 g/dia) e a duração do tratamento foi de 1 a 104 semanas (mediana de 4 semanas). 

Comparações

Em 2 ensaios, os pacientes receberam BCAA por via oral ou intravenosa e os grupos controles receberam placebo/não intervenção. Em 10 ensaios, os participantes receberam BCAA por via oral ou intravenosa e os grupos controles dietas. 4 ensaios compararam BCAA intravenosos vs. lactulose e neomicina. 
 
EFEITOS DAS INTERVENÇÕES
 
Mortalidade

No total, 78 de 367 participantes no grupo BCAA contra 89 de 393 participantes no grupo controle morreram, não havendo diferença entre os grupos (RR 0,88, IC 95% 0,69 para 1.11; 760 participantes; 15 ensaios). Entretanto, os BCAA foram associados a um efeito benéfico sobre a mortalidade quando os ensaios com os grupos controles de lactulose ou neomicina foram excluídos, mas não quando a análise incluiu apenas estes grupos. Dessa forma, sugeriu-se que não há fortes evidências para apoiar ou refutar o efeito dos BCAA na mortalidade. 
Foram recolhidos dados de EH de todos os ensaios. A metanálise de efeito randomizado, análise de sensibilidade, de hipóteses e de cenário de pior risco demostraram que os BCAA  têm efeitos benéficos na EH em comparação com os controles. A análise de subgrupo mostrou efeito benéfico dos BCAA por via oral, mas não por via intravenosa (oral: RR 0,67, 95% CI 0,52 para 0,88; 430 participantes; intravenosa: RR 0.81, 95% CI 0,61 para 1,08; 397 participantes; P = 0,34). 

Eventos Adversos

Não houve relatos de eventos adversos graves. O efeito adverso mais comum foi desconforto gastrointestinal, como náuseas e diarreia, que ocorreu em cerca de 50 de 442 (11%) participantes no grupo BCAA e 11 de 503 (2%) no grupo controle que utilizou dietas. 

Qualidade de Vida

3 estudos avaliaram a qualidade de vida no ínicio e no final do tratamento com uma suplementação oral de BCAA baseados no questionário 36-item Short Form (SF-36). Não foram relatados efeitos benéficos ou prejudiciais sobre a pontuação global do SF-36, ou qualquer um das subescalas com o uso dos BCAA.

Resultados nutricionais

Os ensaios incluídos não realizaram avaliações comparáveis dos parâmetros nutricionais. Porém, uma metanálise de 3 ensaios não mostrou diferenças nos níveis de albumina pós-tratamento entre os grupos controle de dieta e BCAA .
 
RESULTADOS 

Foram encontrados 16 ensaios clínicos randomizados incluindo 827 participantes com EH classificada como evidente (12 ensaios) ou mínima (4 ensaios). 8 ensaios avaliaram a suplementação oral de BCAA e 7 avaliaram a administração por via intravenosa. Os grupos controles receberam placebo/não intervenção (2 ensaios), dietas (10 ensaios), lactulose (2 ensaios) ou neomicina (2 ensaios). Em 15 ensaios, todos os participantes tinham cirrose. Na metanálise de efeito aleatório, em relação à mortalidade, não foi encontrada nenhuma diferença entre os BCAA e os controles (relação de risco (RR) 0,88, intervalo de confiança de 95% (IC) 0,69 para 1,11; 760 participantes). Os BCAA proporcionaram um efeito benéfico na EH. A análise sequencial experimental mostrou que evidências sólidas foram alcançadas. Na metanálise de efeito fixo, mostrou-se que os BCAA aumentam o risco de náuseas e vômitos. Já na metanálise de efeito aleatório, não foi encontrado nenhum efeito benéfico ou prejudicial dos BCAA em relação à náuseas ou vômitos, qualidade de vida ou parâmetros nutricionais. Nas análises de sensibilidade que excluíram os ensaios com controles de lactulose ou neomicina, os BCAA tiveram um efeito benéfico na EH. Entretanto,análises de sensibilidade adicionais não mostraram diferenças entre BCAA e lactulose ou neomicina.

CONCLUSÃO

Nesta revisão atualizada, foram incluídos cinco ensaios adicionais. As análises mostraram que os BCAA tiveram um efeito benéfico na EH. Não foram encontrados efeitos na mortalidade, qualidade de vida ou parâmetros nutricionais, o que requer ensaios adicionais para avaliar estes parâmetros. Da mesma forma, também faz-se necessário estudos clínicos randomizados adicionais para determinar o efeito dos BCAA comparado com outras intervenções como dissacarídeos não absorvíveis, rifaximina ou outros antibióticos.

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