Introdução
O selênio (Se) é essencial para várias funções celulares. No
selenoproteomo humano, 25 genes separados codificam para diferentes
selenoproteínas. Destes, a glutationa peroxidase (GPX), incluindo hidroperóxido
fosfolipídico, e GPX gastrointestinal, tiorredoxinas redutases (TXNRD) e
selenoproteína extracelular P (SEPP 1) são importantes enzimas redox com uma
infinidade de funções celulares e extracelulares, tais como papel antioxidativo,
bem como proteção endotelial.
Cerca de metade do selênio no sangue total é encontrado no
plasma, do qual o GPX-3 constitui 25% e a SEPP1 geralmente constitui mais de
60%. A SEPP1 é um transportador principal de selênio do fígado para tecidos
periféricos. Hurst et al.
demonstraram que uma ingestão de cerca de 100 μg/d de selênio era necessária em
uma população adulta do Reino Unido para obter uma expressão ótima da SEPP1,
assim, uma ingestão suplementar de 50 μg/d era necessária, além da ingestão
habitual de aproximadamente 55 μg/d para obter uma expressão ótima da
selenoproteína. No entanto, a ingestão de selênio difere em várias partes do
mundo, principalmente devido ao teor variável de selênio no solo. Por exemplo, um teor
significativamente mais alto de selênio pode ser encontrado nos solos na América
do Norte do que na Europa, com níveis séricos de selênio relatados de cidadãos
americanos geralmente acima de 120 μg/L, enquanto em vários países europeus,
incluindo nos países nórdicos (Suécia, Noruega e Dinamarca), níveis abaixo de
90 μg/L foram relatados. Na Finlândia, a introdução de fertilizantes com
selênio resultou em níveis aumentados e presumivelmente adequados. Nosso grupo
relatou recentemente níveis séricos médios de selênio de 67,1 μg/L em uma
população sueca de idosos saudáveis, correspondendo a uma baixa ingestão de
selênio. Esta baixa ingestão foi associada a um aumento do risco de mortalidade
cardiovascular. Aparentemente, o nível ideal de selênio no corpo é importante
para a saúde humana.
Além de múltiplas selenoproteínas, a coenzima Q10 é também
um dos antioxidantes importantes no organismo. As funções dessas duas classes
estão inter-relacionadas; a selenoenzima TrxR1 é necessária para a célula
reduzir a coenzima Q10 (ubiquinona) à sua forma ativa ubiquinol. Além disso, a
síntese das proteínas contendo selenocisteína requer uma via funcional de
mevalonato, da qual a coenzima Q10 também é um produto. Devido a um declínio na
produção endógena da coenzima Q10, apenas metade da produção persiste no
miocárdio aos 80 anos de idade. Com base nesses fatos, uma intervenção com
selênio e coenzima Q10 foi realizada em idosos saudáveis por quatro anos em
um município sueco. Os resultados foram uma redução da mortalidade
cardiovascular, melhora da função cardíaca e menor aumento do biomarcador
NT-proBNP, relatados anteriormente. Além disso, o monitoramento dos
biomarcadores sP-selectina, hsCRP, copeptina e MR-proADM em amostras de sangue
mostrou sinais de menor ativação inflamatória e menor estresse oxidativo,
respectivamente. A suplementação com selênio e coenzima Q10 reduziu a
mortalidade, particularmente, entre aqueles com as menores concentrações de
selênio no início do estudo.
MicroRNAs, descobertos no início da década de 1990, fornecem
um novo campo de pesquisa, e hoje mais de 2000 microRNAs diferentes são
conhecidos dentro do genoma humano. Entretanto, seu papel nas doenças foi
apenas parcialmente avaliado, e a literatura sobre suas associações com doenças
cardíacas é escassa. Os microRNAs desempenham papéis-chave na regulação dos
genes codificadores de proteínas de mamíferos, o que inclui genes importantes
para processos de doenças, cicatrização e produção de selenoproteínas. Se os
efeitos de uma intervenção com selênio e coenzima Q10 combinados pudessem ser
rastreados para ter um impacto sobre a regulação de microRNAs, isso aumentaria
o entendimento sobre os mecanismos subjacentes para os efeitos protetores da
intervenção com selênio e coenzima Q10 e agiria como um validação adicional dos
resultados clínicos do nosso estudo principal acima referido.
Objetivo do Estudo
O objetivo do
presente estudo foi explorar se a intervenção com selênio e coenzima Q10
influenciou a expressão de microRNAs circulantes nessa mesma população.
Entre 2003 e
2010, uma população composta por 443 idosos representativos foi randomizada em
blocos de 6, de forma duplo-cega, recebendo a intervenção ativa ou placebo.
Deste modo, 221 pessoas receberam suplemento de selênio + coenzima Q10 (200 μg de
Se/dia e 200 mg/dia de coenzima Q10), e 222 pessoas receberam o suplemento
placebo (grupo placebo), além de medicação regular. O tempo de intervenção foi
de 48 meses, e a mediana do período de acompanhamento foi de 5,2 anos.
Resultados
Um painel de PCR foi utilizado para o estudo e, em média,
145 microRNAs foram detectados por amostra.
Comparando o grupo ativo pós-tratamento ao grupo placebo
usando o teste t de Student,
verificou-se que 90 microRNAs eram diferencialmente expressos usando um ponto
de corte <0,05. Destes, 70 ainda eram significativos após a correção para
múltiplas medições. Houve aumento
da expressão do microRNA como resultado da intervenção com selênio e coenzima
Q10 nos seguintes microRNAs; miR-19b-3p, miR-93-5p, miR-140-3p, miR-233p,
miR-303p, miR-303p 451a, enquanto os seguintes microRNAs mostraram uma
expressão diminuída como resultado da intervenção; miR-199a-3p, miR-26a-5p,
miR-199a-5p, miR-221-3p, miR-151a-5p, miR-151a-3p, miR-130a-3p, miR-30c-5p,
miR- 191-5p e miR-125a-5p.
Como pode ser visto, todos os 20 microRNAs têm uma diferença
altamente significativa na expressão entre os grupos de tratamento ativo
pós-tratamento em comparação com o grupo placebo.
Na população do estudo em que os microRNA foram avaliados,
os níveis séricos basais de selênio também foram medidos. Concentrações séricas
de selênio entre 36,0 e 103,4 μg/L foram observadas, e a maioria dos
participantes apresentou baixas concentrações de selênio, como foi relatado
recentemente.
A expressão do microRNA diferiu dependendo do nível basal de
selênio, apesar da mesma dosagem de intervenção de selênio, e onde o
coeficiente de correlação diferiu entre -0,03 a -0,51.
Conclusão
Os microRNAs são
importantes fatores na regulação de genes codificadores de proteínas. Como
demonstrado anteriormente, existe uma deficiência de selênio na população
sueca. O presente estudo é uma avaliação das mudanças na expressão de microRNAs
como resultado da intervenção com selênio e coenzima Q10 em uma população idosa
saudável. As alterações observadas são compatíveis com estudos anteriores sobre
alterações no microRNA e doenças cardiovasculares e deficiência de selênio.
Essas alterações no microRNA poderiam fazer parte dos mecanismos subjacentes
aos efeitos clínicos relatados anteriormente para a mesma coorte, redução da
mortalidade cardiovascular, melhor função cardíaca e menos sinais de inflamação
e estresse oxidativo após a intervenção. No entanto, mais pesquisas são
necessárias para entender os mecanismos biológicos dos efeitos protetores da
suplementação com selênio e Q10.
Referências
Alehagen U1, Johansson P1, Aaseth J2, Alexander J3, Wågsäter
D4. Significant changes in circulating
microRNA by dietary supplementation of selenium and coenzyme Q10 in healthy
elderly males. A subgroup analysis of a prospective randomized double-blind
placebo-controlled trial among elderly Swedish citizens. PLoS One. 2017 Apr
27;12(4):e0174880. doi: 10.1371/journal.pone.0174880. eCollection 2017.