Indigestão psicológica

por Vladimir Melo / 20 Setembro 2019 / Estudo Científico

Vilhena Soares


Os cuidados com a alimentação de crianças e adolescentes preocupam os pais, já que o consumo de nutrientes está ligado ao desenvolvimento dos filhos. Pesquisadores norte-americanos mostram que uma dieta equilibrada também faz bem à saúde psicológica. Segundo um estudo conduzido na Universidade do Alabama, jovens que consomem alimentos ricos em sódio e com baixo nível de potássio são mais propensos a desenvolver sintomas de depressão. Uma segunda investigação, desta vez na Universidade de Michigan, sinaliza que a deficiência de vitamina D na infância pode resultar em comportamento agressivo e ansiedade anos depois.

“A depressão entre os adolescentes nos Estados Unidos aumentou 30% na última década, e queríamos saber por que e como diminuir esse número. Pouca pesquisa foi realizada sobre dieta e depressão”, conta ao Correio Sylvie Mrug, presidente do Departamento de Psicologia da Universidade do Alabama e autora de um dos estudos, publicado no periódico Physiological Reports no fim de agosto.

Sylvie Mrug e colegas analisaram mais de 100 adolescentes de baixa renda, principalmente afro-americanos. Os jovens foram ouvidos pela equipe no início de 2017 e um ano e meio depois. Em ambos os casos, foram questionados sobre a ocorrência de sintomas depressivos. Os participantes também realizaram coleta noturna de urina para que os níveis de potássio e sódio no organismo pudessem ser mensurados.

Os investigadores concluíram que a combinação única de alto teor de sódio e baixo teor de potássio pode ser usada para monitorar a ocorrência da depressão. “Nosso estudo mostra a necessidade de prestar atenção ao que nossos filhos estão comendo”, frisa a líder do estudo. A equipe defende, inclusive, que profissionais de saúde usem essa informação como biomarcadores de risco para a doença. “São necessárias intervenções para garantir que os adolescentes estejam recebendo nutrição adequada para diminuir o risco de depressão”, defende Sylvie Mrug. “Alimentos como frutas, legumes e iogurte contêm baixos níveis de sódio e grandes quantidades de potássio. Por isso, devem ser incentivados como parte da dieta diária de um adolescente”, complementa.

Paul Sanders, professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Alabama e coautor do estudo, recomenda aos jovens que evitem alimentos altamente processados, incluindo fast-food. “O antigo ditado ‘coma suas frutas e seus legumes’ vem à mente com essa pesquisa. Embora mudar a dieta dessa maneira exija dinheiro e esforço, isso pode gerar benefícios para a saúde, incluindo a melhoria da saúde mental”, ressalta.

Vitamina D


A vitamina D também pode ser um marcador para a saúde mental de jovens, segundo pesquisadores da Universidade de Michigan. Boa parte das pesquisas sobre a deficiência desse nutriente aborda a relação de problemas como depressão e esquizofrenia em adultos e grávidas. Mas, segundo a equipe liderada por  Eduardo Villamor, é preciso se atentar aos efeitos da complicação durante a adolescência, estágio em que problemas comportamentais podem aparecer pela primeira vez e se tornarem graves.

Para entender melhor essa relação, em 2006, os cientistas recrutaram 3.202 crianças de 5 a 12 anos em Bogotá, na Colômbia, em escolas públicas primárias. Os pesquisadores obtiveram informações sobre hábitos diários de cada criança, nível de escolaridade materna, peso e altura, além de insegurança alimentar e status socioeconômico da família. Também realizaram coletas periódicas de amostras de sangue.

Após cerca de seis anos, quando as crianças tinham entre 11 e 18 anos, os cientistas realizaram entrevistas pessoais de acompanhamento em um grupo composto por um terço dos participantes. Na ocasião, avaliaram o comportamento dos jovens por meio de questionários, respondidos também pelos pais. A análise mostrou que os jovens com níveis sanguíneos de vitamina D sugestivos de deficiência apresentaram quase duas vezes mais risco de desenvolver problemas de comportamento externalizantes — agressivos e violadores de regras —, quando comparados ao que tinham níveis maiores da substância.

Além disso, baixos níveis da proteína que transporta a vitamina D no sangue (DBP) foram relacionados aos comportamentos agressivos mais relatados pelos responsáveis e a sintomas de ansiedade ou depressão. “Vimos que as crianças com deficiência de vitamina D durante os anos do ensino fundamental mostraram maiores problemas de comportamento quando chegaram à adolescência”, resume Eduardo Villamor, professor de epidemiologia na Escola de Saúde Pública da Universidade de Michigan e autor principal do estudo, publicado no Journal of Nutrition, em agosto.

Alertas


Wanessa Stival, endocrinologista e metabologista do Instituto Castro e Santos, em Brasília, acredita que a pesquisa de Michigan corrobora dados de uma série de pesquisas recentes. “Temos muitos trabalhos que mostram os benefícios da vitamina D para a saúde, como controle da osteoporose e auxílio cognitivo. Agora, vemos como, nos adolescentes, a deficiência desse nutriente está relacionada a um comportamento mais agressivo”, frisa. “Essa relação da ansiedade e depressão com baixos níveis de vitamina D é algo que observamos também em adultos na prática clínica, dentro do consultório.”

Segundo a médica, o estudo serve como alerta para cuidados que devem ser tomados com a alimentação desde a infância. “Eu gosto muito de uma regra de ouro que envolve dois pontos: consumir mais frutas e verduras e reduzir a ingestão de alimentos processados. Com essa medida, também reduzimos a quantidade de sódio consumido, um ponto ressaltado na  outra pesquisa (Universidade do Alabama)”, diz. “Outro ponto importante é como a redução de vitamina D está associada ao estilo de vida moderno, apesar de muitas pessoas não perceberem isso. É importante ficar exposto ao Sol em horários em que ele não é prejudicial à pele, e, hoje, a maioria das pessoas fica em ambientes fechados, principalmente os jovens. É importante mudar esses hábitos”, alerta.

Daniel Novais, nutricionista esportivo, lembra que falhas na alimentação durante a adolescência também causam obesidade, em alta nessa faixa etária. “Temos visto vários jovens usando suplementos alimentares que são desenvolvidos para adultos, muitos deles com efeitos termogênicos, por exemplo, ou aceleradores metabólicos”, complementa. “Esses produtos não devem ser usados porque o metabolismo é diferente. A ingestão pode causar distúrbios hormonais, entre outros danos”, alerta.

Novais ressalta que a pressão para ter um corpo ideal também contribui para problemas psicológicos. “O adolescente quer ter aquele corpo que ele viu na internet e acaba recorrendo a estratégias erradas. Isso pode causar danos à saúde corporal e à emocional. Já tive pacientes internados, pois não se sentiam satisfeitos com o próprio corpo”, conta o nutricionista.

“O antigo ditado ‘coma suas frutas e seus legumes’ vem à mente com essa pesquisa. Embora mudar a dieta dessa maneira exija dinheiro e esforço, isso pode gerar benefícios para a saúde, incluindo a melhoria da saúde mental” 
Paul Sanders, professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Alabama

Palavra de especialista


Refeição em família em extinção

“A alimentação foi, durante muitos séculos, um espaço de convivência familiar. Hoje, tem sofrido transformações não apenas nos tipos de alimentos consumidos, mas, sobretudo, na forma como as pessoas se alimentam. As refeições deixaram de ocorrer no ambiente doméstico e deram lugar às imediações de escolas e instituições, visando à economia de tempo. Por isso, o preparo dos alimentos perdeu importância dentro da rotina de um lar e, consequentemente, o seu valor de agregar os membros de uma família. Com isso, os cuidados familiares foram substituídos pela conveniência dos produtos industrializados, o que tem resultado em uma alimentação menos variada e de pior qualidade. Atualmente, as refeições ocorrem sobretudo de maneira individualizada e, com frequência, diante de uma tela (celular, tablet e televisão), hábito que contribui para o aumento da obesidade. Quando a família compartilha o momento da refeição e se preocupa com o que é servido à mesa, fortalece os laços de afeto entre os seus integrantes e promove um cuidado que repercute em saúde para todos. O envolvimento dos pais com a rotina alimentar é fundamental para que os filhos desenvolvam uma consciência mais ampla em relação ao que consomem, entendendo como o que ingerem influencia a vida no presente e no futuro”

Vladimir Melo, doutor em psicologia e autor do livro Obesidade infantil: interações familiares e ciclo de vida numa perspectiva sistêmica

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