Introdução
Por meio
da manipulação dietética, diversos macronutrientes e micronutrientes
diferentes foram identificados como tendo a capacidade de melhorar o desempenho
do exercício. Esses suportes nutricionais ergogênicos permitem que os atletas
atinjam além das habilidades alcançadas pelo treinamento sozinho, podendo ser a
diferença entre a vitória ou derrota. Por esse motivo, explorar e avaliar a
eficácia de nutrientes ergogênicos é um processo valioso a se realizar.
Pesquisas recentes sobre o consumo de nitratos e seu papel no
funcionamento vascular levaram esses nutrientes a se tornarem progressivamente
mais populares entre os atletas que buscam aumentar seu desempenho físico. Outros
processos fisiológicos que podem ser alterados para proporcionar um efeito
ergogênico através da ingestão de nitratos incluem a contratilidade muscular
esquelética, eficiência mitocondrial, homeostase da glicose e a respiração.
Fontes Naturais de Nitrato
Os vegetais
de folhas verdes e raízes constituem a principal fonte dietética de nitrato. Os
vegetais com uma concentração de nitrato muito alta (> 250mg / 100g) incluem espinafre, rúcula, agrião, alface,
aipo, rabanete, acelga-suiça, cerefólio e beterraba vermelha. Uma vez ingerido,
ele é reduzido ao óxido nítrico (NO) através da via nitrato - nitrito-NO,
aumentando o nível de NO no sangue e nos tecidos. O NO é uma potente molécula
de sinalização que desempenha um papel fundamental na vasodilatação, relaxando
o músculo liso e, subsequentemente, melhorando a circulação sanguínea.
Estudo Clínico
O primeiro
estudo que observou os benefícios da ingestão dietética de nitrato no exercício
foi conduzido por Larsen et al.. Este
estudo randomizado, duplo-cego, crossover
e placebo controlado envolveu nove
homens bem treinados que realizaram ciclos de taxa de trabalho progressivos
após suplementação crônica de nitrato de sódio (0,1 mmol ∙ kg-1 / dia durante
três dias).
O consumo de
nitrato resultou em um custo de oxigênio (O2) significativamente menor durante
os exercícios, em que o pico de absorção de oxigênio (𝑉̇O2pico) variou entre 45-80%, sem aumentar a concentração de lactato no
sangue, resultando em maior eficiência de exercícios.
A quantidade
de suplementação de nitrato utilizada no
estudo de Larsen et al. se assemelha
à encontrada em 150 - 250 g de vegetais ricos em nitrato. Suas descobertas
foram inesperadas porque, geralmente,
considerava-se que o custo de O2 no exercicio em uma determinada taxa de
trabalho tinha uma quantidade fixa entre os indivíduos, particularmente durante
o ciclismo.
A observação
de Larsen et al. instigou estudos
adicionais que investigaram o efeito da suplementação dietética de nitrato no
desempenho do exercício. As alterações fisiológicas relatadas incluem reduções
da pressão arterial, da cinética de desoxihemoglobina muscular, da adoção de
trifosfato de adenosina (ATP) e degradação de fosfocreatina (PCr), resultando
em uma maior eficiência contrátil
muscular, redução do custo de O2 no exercício submáximo, e melhora do desempenho
no exercício.
Uma revisão sistemática prévia e meta-análise
realizada em 2013 examinou os efeitos da suplementação dietética de nitrato no
desempenho do exercício de resistência. Após examinar 17 estudos, a
meta-análise concluiu que a dieta de nitrato mostrou trazer um pequeno benefício no teste de tempo
(TT) (ES = 0,11, p> 0,05, n = 9), efeito moderado nos ensaios de tempo de
exaustão (TTE) (ES = 0,79, p <0,01, n = 3) e um ligeiro benefício no
desempenho do teste de exercício graduado (GXT) (ES = 0,23, p> 0,05, n = 7).
Objetivo
O
objetivo desta revisão sistemática e meta-análise foi atualizar, avaliar
criticamente e resumir a qualidade metodológica da literatura sobre a
suplementação dietética de nitrato e o desempenho no exercício de resistência.
Um objetivo secundário foi determinar se os resultados do desempenho são
afetados por potenciais variáveis do moderador do estudo, como o tipo de
exercício e duração, protocolo, duração da dose e quantidade, tipo de nitrato,
nível de aptidão do sujeito e alteração no nitrito (NO2-).
Critérios de Avaliação
O
principal critério de avaliação foram as alterações no desempenho do exercício
após a suplementação dietética de nitrato. Os efeitos da
suplementação foram calculados no final da avaliação do exercício. O teste de
Tempo (TT) foi definido como uma corrida cronometrada com distância
específica.
O teste de
tempo de exaustão foi definido como um incremento de passo
único na taxa de trabalho, que é continuada até o esgotamento. A avaliação do
desempenho no exercício graduado foi definida como um teste incremental de
múltiplas fases ou rampa contínua até a exaustão.
Os
estudos utilizados nesta revisão foram publicados entre 2007 e 2015. 3 tipos de
análises de desempenho foram utilizados em todos os estudos, com 38 examinando
o efeito da suplementação com nitrato vs
placebo no TT, 22 usando o protocolo de TTE e 16 incluindo GXT. 61 triagens mostraram
melhora no desempenho após a suplementação com nitrato, dos quais 29 foram
estatisticamente significantes (p < 0.05). 20 das 22 triagens do TTE
mostraram uma melhora média no desempenho (dos quais 16 apresentaram resultados
significativos), assim como 27 de 38 triagens de TT e 14 de 16 de GXT (dos
quais 7 e 5 melhoraram significativamente, respectivamente).
O
ciclismo foi o método mais comum de exercício, utilizado em 44 dos 76 ensaios.
14 utilizaram corrida na esteira, 6 corrida em campo, 3 caiaque, 3 remo, 3
treinos de resistência na forma de extensão de joelhos, 1 mergulho subaquático,
1 caminhada, 1 manivela braço/perna. 8 triagens investigaram o desempenho
físico em condições de hipóxia. Os exercícios duraram cerca de 1,5 a 137
minutos.
A maioria das
triagens incluíram participantes com o consumo máximo de oxigênio (𝑉̇O2max) > 45 mL kg-1 min-1, variando de indivíduos fisicamente
ativos, bem treinados e atletas de elite.
Consumo de
Nitrato
Os estudos utilizaram
diferentes tipos de suplementação dietética de nitrato, sendo a maioria delas
suco de beterraba (n=58; 76%), água com nitrato, nitrato sódico ou potássico,
extrato de pomegranate, gel de nitrato e porções de beterraba. As doses
variaram de 4.1 mmol – 19.5 mmol/dia.
O
período de intervenção variou de 30 minutos a 15 dias de suplementação, em que
houve análise de intervenção aguda e crônica.
Resultados
A
diferença média padronizada de 28 ensaios foi de -0.10 (95% Cl -0.27 - 0.06),
indicando um pequeno efeito, mas não significativo, a favor da suplementação
com nitrato
nas medidas do desempenho no TT (p > 0.05);
A
diferença média padronizada de 8 ensaios
foi de 0.25 (95% Cl -0.06 - 0.56), indicando um pequeno efeito, mas não
significativo, a favor da suplementação com nitrato nas medidas do
desempenho no GXT (p > 0.05)
A diferença da média
padronizada de 22 ensaios foi de 0,33 (95% Cl 0.15 - 0,50), indicando um efeito
estatisticamente leve a moderado a favor da suplementação dietética de nitrato nas
medidas de desempenho no TTE (p <0,01);
- Nenhum
efeito adverso relevante foi observado, embora tenham sido relatados urina e
fezes avermelhadas, intolerância ao suco de beterraba e desconfortos gastrointestinais.
Discussão
A análise
combinada da influência do nitrato no TTE mostrou um efeito significativamente
maior quando comparada a um controle placebo. Entretanto, os pequenos efeitos
da suplementação no desempenho do TT e GXT não foram estatisticamente significantes. A conclusão principal dessa meta-análise foi os efeitos diferenciados
que a suplementação dietética com NO3 teve nos protocolos TT e TTE.
Esta revisão
e análise quantitativa concluiu que há evidências claras de que a suplementação
dietética com NO3 pode aumentar a aptidão do exercício aeróbio medida pelos
protocolos TTE.
Hipoteticamente, o
desempenho no exercício físico nos protocolos TTE aumenta devido ao custo
reduzido de O2 em todo o corpo no exercício com taxa de trabalho constante após
a suplementação dietética de nitrato. Bailey et
al. relataram que a diminuição do custo de O2 correlaciona-se com um custo
reduzido de ATP na produção de força muscular, criando uma redução na
degradação da fosfocreatina, além de uma redução do acúmulo de fosfato de
adenosina e fosfato inorgânico durante exercícios de baixa e alta intensidade (extensões
de joelho) após a suplementação de suco de beterraba em comparação com um
placebo. Além disso, a suplementação com suco de beterraba reduziu significativamente a
hidrólise de ATP muscular durante os exercícios
de baixa e alta intensidade. Os pesquisadores especularam que os possíveis
mecanismos por trás da diminuição in vivo
do custo de O2 no exercício após a suplementação de nitrato são
predominantemente resultado de uma redução no custo total de ATP na produção de
força muscular e não um aumento na relação fosfato mitocondrial/O2. Alternativamente,
Jones sugere que a diminuição do 𝑉̇O2 e da
fosfocreatina no estado estacionário após a suplementação poderia ser devido à
melhoria simultânea da eficiência mitocondrial e da oxigenação muscular. Esses
achados sugerem que um protocolo de fadiga, como TTE, pode ser mais adequado
para estudos de nitrato na dieta, observando os mecanismos fisiológicos
que afetam o desempenho e a capacidade no exercício.
O efeito
ergogênico do nitrato foi mais evidente quando os testes TTE foram utilizados
como o principal critério de avaliação. Os protocolos que envolvem o exercício
até o esgotamento foram sugeridos para ter
uma maior variabilidade do que os TT. Em um estudo de Saris et al., tempos de exaustão em 5 ensaios resultaram em
um alto coeficiente de variação (CV) de 26,6%, com uma faixa de CV individual
de 17,4% para 39,5%. No mesmo estudo, dois protocolos de TT produziram um CV de
3,5% e 3,4% e o CV individual variou de 1,7% para 5,8% e 0,8% para 5,8%,
respectivamente. Assim, parece inicialmente surpreendente que os efeitos
ergogênicos foram significativos apenas quando as medidas mais variáveis de TTE
foram usadas. No entanto, Amann et al. descobriram sensibilidades
semelhantes entre os protocolos TT e TTE, sugerindo que os TTE são uma opção
válida quando se determinam os efeitos de uma intervenção sobre o desempenho de
resistência. Jeukendrup et al. sugeriram
que a diferença na variabilidade entre os protocolos poderia ser atribuída às
diferenças na influência de fatores psicológicos, como a motivação e a
monotonia na medida do resultado, e que os protocolos TTE medem a capacidade de
resistência em vez do desempenho do exercício, o que é medido mais eficazmente pelos
protocolos TT. É necessário determinar por que a análise atual mostra um efeito
ergogênico maior do nitrato dietético quando os protocolos TTE são usados
como a medida de resultado e não os protocolos TT.
Vale
ressaltar que um protocolo TT foi sugerido como a escolha mais adequada e
confiável para uma intervenção que se assemelhe ao desempenho do exercício de resistência
na vida real e, portanto, esses protocolos poderiam ser a opção mais válida
ecologicamente ao avaliar o impacto da suplementação nitrato no desempenho.
Apesar de não ser estatisticamente significativa, a melhora de 0,8% no desempenho do TT após a suplementação dietética de nitrato pode ser significativa para os atletas. Colocando esse resultado em perspectiva, a diferença entre o primeiro e o décimo segundo lugar na final de 10.000 metros dos homens nos Jogos Olímpicos de Londres de 2012 foi de apenas 0,66%; portanto, ainda é prudente recomendar essa suplementação para auxiliar o desempenho do exercício de resistência. Além disso, o uso dessa suplementação para aumentar o TTE durante o treinamento pode resultar na execução de mais intervalos, aumentando as adaptações fisiológicas que melhoram o desempenho do TT.
Uma dieta crônica
parece mostrar um resultado de desempenho ligeiramente melhor do que a dieta
aguda no protocolo TTE (ES: 0,29; p = 0,11).
2 estudos
que compararam diretamente as doses crônicas e agudas no desempenho descobriram
que a ingestão crônica (15 dias) de suco de beterraba teve um maior efeito
sobre a potência de saída de pico, o limiar de troca gasosa e a pressão
arterial em comparação com uma dosagem aguda (2,5 horas antes do teste). Boorsma et al. também relataram uma ligeira
melhora no desempenho do TT após um protocolo de dosagem crônica (8 dias),
enquanto que os participantes que consumiram uma dose aguda (2,5 horas antes do
teste) não melhoraram a eficiência ou o desempenho do exercício.
Levando em
consideração os resultados da meta-análise e também esses estudos, parece que a
dosagem crônica produz um maior benefício do que a aguda; no entanto, pesquisas
adicionais são necessárias para entender qual o período de suplementação
dietética de nitrato provoca o melhor resultado.
O único
estudo que comparou diretamente os níveis de aptidão aeróbica individual com a suplementação
dietética de nitrato observou melhorias positivas em indivíduos sedentários e
moderadamente treinados, mas não em indivíduos altamente treinados.
Os achados
desta meta-análise demonstram que há evidências suficientes para sugerir que a
suplementação dietética de nitrato pode melhorar o desempenho do exercício de
resistência; no entanto, mais testes experimentais precisam ser conduzidos com
um foco de pesquisa em potenciais
variáveis para fornecer conclusões definitivas e recomendações para a
suplementação de nitrato e seu efeito no desempenho do exercício de
resistência.
Por exemplo,
pesquisas realizadas por Hernandez et al.
a respeito do efeito dessa suplementação observaram uma maior força contrátil
em músculos de contração rápida em camundongos suplementados com nitrato. Esses resultados
se traduzem como uma ativação de fibras musculares de contração rápida em uma
freqüência mais baixa, mas que ainda alcançam a mesma força após a
suplementação. Portanto, foi necessário um esforço reduzido para executar uma determinada
tarefa.
A suplementação dietética de nitrato parece ser
particularmente eficaz na melhoria das respostas fisiológicas no músculo do tipo
II, podendo levar a uma produção de força aumentada a altas velocidades de
contração, e a um melhor desempenho durante exercícios intermitentes de alta intensidade
e curta duração.
Conclusão
Os
resultados desta revisão sistemática e meta-análise forneceram provas convincentes de que a suplementação
dietética de nitrato promove um resultado positivo ao testar a capacidade de
exercício de resistência, mas é menos provável que seja eficaz para o
desempenho do TT. São necessários mais
trabalhos para entender quais as melhores dosagens que iriam beneficiar a população
e em que condições os nitratos provavelmente seriam mais efetivos na melhora do
desempenho.