Como
defendia Hipócrates, pai da medicina, a comida pode ser o alimento e também o
remédio
Se realmente somos o que comemos, a recíproca da famosa expressão também
faz sentido, principalmente na hora de cuidar da nossa saúde
gastrointestinal: os alimentos podem desencadear, mas também ser o remédio e
a solução. O que comemos certo pode aliviar sintomas de desconfortos
frequentes e melhorar a relação com doenças e intolerâncias. Tal cuidado é
essencial, já que vários problemas gastrointestinais podem interferir de
forma significativa na absorção de nutrientes importantes, como vitaminais,
proteínas, carboidratos e sais minerais, acarretando vários problemas, como
anemia, enfraquecimento dos ossos e desnutrição. Além disso, algumas podem
comprometer a ingestão normal de alimentos, restringindo a dieta dos
pacientes.
Segundo Maria do Carmo Friche Passos, presidente da Federação Brasileira de
Gastroenterologia (FBG), o intestino delgado é o principal órgão responsável
pela digestão e absorção dos alimentos e várias doenças que atingem esse
segmento do tubo digestivo podem comprometer de maneira importante essas
funções, como a doença celíaca (glúten), algumas parasitoses (giardíase
maciça), tuberculose intestinal, doença de Crohn, entre outras. É fundamental
que o paciente tenha diagnóstico preciso e orientação alimentar adequada, que
pode ser feita pelo próprio gastroenterologista ou sob a supervisão de um
nutricionista, que indicará uma dieta adequada às necessidades nutricionais e
condições fisiológicas, alerta. A síndrome do intestino irritável (SII), por exemplo, atinge de 10% a 20%
da população ocidental e é responsável por grande parte dos atendimentos ambulatoriais
em gastroenterologia. Mas a simples adoção de uma dieta específica e saudável
poderia melhorar os sintomas dessa e de outras condições clínicas, além de
proporcionar inúmeros benefícios ao organismo, como saúde, beleza,
longevidade e prazer. Segundo Maria do Carmo, que é professora da
Universidade Federal de Minas Gerais e da Faculdade de Ciências Médicas de
Minas Gerais, a alimentação correta, saudável e equilibrada e com suficiente
aporte de calorias e nutrientes é essencial para o bem-estar e a qualidade de
vida, principalmente em condições clínicas que exigem uma dieta
específica. É com esse objetivo que a FBG acaba de lançar uma cartilha com importantes
informações sobre as dietas, sintomas e tratamentos de doenças, como síndrome
do intestino irritável (SII), doença celíaca, constipação intestinal,
dispepsia funcional, flatulência, intolerância à lactose e à frutose e
doenças do esôfago. Segundo Maria do Carmo, o objetivo é sensibilizar e
orientar a população sobre a importância da implementação de uma correta
alimentação, além da adoção de um estilo de vida mais saudável. Como já dizia
Hipócrates, o pai da medicina, 'Que a comida seja o teu alimento e o
alimento, o teu remédio, defende a especialista. (Veja cada uma das dietas na
página 4). TENDÊNCIAS
Muito do que encabeça a lista de alimentos saudáveis é conhecido da
população, mas novos estudos permitiram o desenvolvimento de dietas para a
saúde intestinal. Uma delas é a Dieta FODMAP, palavra formada pelas iniciais
de um conjunto de carboidratos, que podem ser de difícil digestão para
algumas pessoas (fermentable oligosaccharides, disaccharides, monosaccharides
and polyols). Segundo Maria do Carmo, os oligossacarídeos, dissacarídeos,
monossacarídeos e polióis são alimentos fermentáveis, que, por ser mal
absorvidos pelo trato digestivo humano, podem causar desconforto intestinal.
A formação de gases pela microbiota intestinal acaba desencadeando os
referidos sintomas.
A dieta foi descrita há cerca de cinco anos, na Austrália, e tem se
mostrado eficaz para os pacientes portadores da Síndrome do Intestino
Irritável com quadro de flatulência excessiva e diarreia crônica sem uma
causa específica. Como a dieta é constituída por algumas classes de
alimentos, sugere-se retirar todos por um curto período e ir voltando com
cada um dos grupos alimentares. Se o paciente piora ao reintroduzir um
determinado grupo de alimentos, possivelmente, ele é intolerante àquele grupo
e esses alimentos devem ser evitados, explica Maria do Carmo, que reforça que
essa dieta somente está indicada para pacientes portadores da Síndrome do
Intestino Irritável ou síndromes associadas aos gases e à diarreia, sempre
sob orientação médica.
Alimentos bem-vindos
Há hoje inúmeros tipos de dietas para promover o bem-estar e,
especialmente, auxiliar na manutenção da saúde digestiva. Mas o ideal é que
se leve em conta as suas necessidades. Para a nutricionista clínica esportiva Cássia Nascimento, o ideal é que as
pessoas procurem ajuda especializada para ter a dieta como aliada. Ora o ovo é bom, ora inimigo do colesterol... O tomate faz bem pra isso,
mas piora aquilo... Manteiga ou margarina E assim vão surgindo as dúvidas da
população sobre quais alimentos são bem-vindos... ou não. Segundo Maria do
Carmo Friche Passos, presidente da Federação Brasileira de Gastroenterologia
e professora associada da Universidade Federal de Minas Gerais e da Faculdade
de Ciências Médicas de Minas Gerais, os conhecimentos avançam, muitas
pesquisas são realizadas e, realmente, alguns conceitos em relação aos
alimentos podem mudar. Existem inúmeros tipos de dieta que acusam um ou outro
alimento como vilão, como a dieta das proteínas, dos carboidratos, do grupo
sanguíneo, entre outras. Mas sabemos bem que os melhores alimentos ou a
melhor dieta é aquela que promove ou auxilia na manutenção da saúde digestiva
e do ser humano. O ideal é que não seja muito restritiva e que leve o
indivíduo a uma reeducação alimentar, defende a especialista.
Embora muita mãe corte os líquidos entre as refeições, eles são
fundamentais para a boa saúde intestinal. E esse é apenas um exemplo de
coisas que pensamos fazer certo, mas que fazemos errado. Estudos muito
recentes mostram que uma dieta rica em legumes, verduras e frutas ajuda na
manutenção de uma microbiota (flora) intestinal mais saudável e
diversificada, mantendo a eubiose, e isso tem relação direta com a manutenção
da nossa saúde. Uma dieta 'americanizada' pode favorecer o desenvolvimento de
microrganismos potencialmente patogênicos, promovendo a disbiose, e
favorecendo o aparecimento de doenças digestivas e extradigestivas crônicas.
O bom senso é sempre a melhor opção na escolha da dieta nada de restrições
importantes para quem não tem intolerâncias alimentares importantes e nada de
dietas muito gordurosas e industrializadas em excesso, reforça Maria do
Carmo.
Segundo a nutricionista clínica esportiva Cássia Nascimento, mestre em
ciências do esporte, nem devemos falar em alimentos importantes para a saúde
intestinal, e sim em uma alimentação saudável e equilibrada, capaz de ofertar
ao corpo todos os nutrientes indispensáveis à saúde. A função da microflora
intestinal é fermentar algumas substâncias ingeridas na dieta, a fim de que
possamos absorvê-las e aproveitá-las. No entanto, é necessária a manutenção
dessa microflora, para que não haja um desequilíbrio entre as espécies
bacterianas presentes, causando, assim, desconfortos às pessoas que sofrem
desse desequilíbrio, tais como diarreia, obstipação, queda na absorção de
minerais, alerta. E nesses desconfortos, síndromes e intolerâncias, novamente
o que faz bem para uns, não fará para outros. O ideal é que as pessoas
reconheçam suas dificuldades e procurem ajuda especializada para ter a dieta
como aliada.
Na Síndrome do Intestino Irritável, por exemplo, é preciso evitar o excesso
de gorduras e carboidratos não digeríveis (fibras), como carnes gordurosas,
frituras, além das fibras em excesso (aveia, linhaça, chia). Para quem sofre
com flatulência, a orientação é diferente. Priorize uma alimentação com
carboidratos sem glúten (à base de arroz), proteínas magras (frango, peixes,
carne vermelha magra) e evite nutrientes que fermentem no intestino, caso de
fibras (aveia, linhaça, chia), brócolis, feijão, cebola, repolho, couve-flor,
cenouras, trigo, explica. Já na constipação intestinal, as fibras são bem-vindas.
É preciso priorizar o consumo de aveia, farelos, chia, linhaça, pães
integrais e frutas de uma forma geral, de preferência com a casca, além de
líquidos ao longo do dia (água, sucos e chás). Consumir iogurte natural
batido com ameixa-preta sem caroço uma vez ao dia é uma ótima dica, segundo a
nutricionista. DIAGNÓSTICO
Intolerantes à frutose devem passar longe do xarope de milho, mel, figo,
maçã, banana, uva, manga, melancia, caqui, ameixa e de algumas leguminosas,
como o feijão-branco. E os doentes celíacos devem priorizar pães, bolos e
biscoitos à base de farinhas sem glúten, ou aqueles com farinha de arroz ou
cereais, como aveia e granola. Intolerantes à lactose devem seguir
orientações em função do nível de sua intolerância, mas, de forma geral, é
preciso evitar os alimentos ricos em lactose. Os derivados do leite, com
menos quantidade de lactose, normalmente são mais aceitáveis. A pedagoga
Bethânia Alves Silva Moreira, de 39 anos, sabe bem do desconforto de ser
intolerante ao leite. Há alguns anos, ela já passava mal quando consumia esse
alimento e seus derivados, mas o diagnóstico só veio há seis meses. Tinha
enjoos, enxaqueca e dificuldade de digestão, agora que adotei a dieta, tenho
muito mais disposição, já que não passo mal como antes, comemora.
Bethânia tratava de gastrite, quando o gastroenterologista quis pesquisar
melhor a questão do consumo da lactose. Ela fez o teste e esse foi positivo
para a intolerância, que, no seu caso, é muito forte. Passei a tomar tudo sem
lactose. Hoje, há muita opção, há linhas completas de leites e derivados para
pessoas com intolerância. A única coisa que ainda não achei e tenho vontade
de comer é sorvete, conta. Bethânia acredita que ter a opção de abordar um
problema apenas mudando a alimentação é o ideal, mas aproveita outros
recursos que melhoram seu dia a dia com o problema. Nos fins de semana, por
exemplo, ou quando tem festas, ela usa o comprimido de lactase, a enzima que
processa a lactose, e pode comer com menos restrições. Apesar de estar
liberada para usá-lo com frequência, preferiu investir na dieta. Além disso,
aprendi a olhar todos os rótulos do que como. Mesmo pequenas quantidades de
leite em biscoitos e pães podem me fazer mal.
Fonte: ESTADO DE MINAS |