Introdução
Experimente dormir pouquíssimo e ir ao trabalho.
Cansaço, mau humor, desatenção, ansiedade e excesso de fome são alguns dos
sintomas de uma noite de sono ruim. Agora, repita o processo durante
semanas, o resultado será desastroso. Pouco descanso noturno de forma
crônica promove um desequilíbrio em todo o organismo.
E a consequência é mais do que um puxão de orelha
do chefe: você enfraquecerá o sistema imunológico, terá mais chances de
engordar e elevará o risco de desenvolver diabetes, depressão e até Alzheimer.
Tudo ocorre por causa de uma tríade perigosa:
desequilíbrio nos hormônios, prejuízo na “faxina” que o cérebro faz todas as
noites e ausência de recarga de energia nas células.
Hoje, ficamos menos
tempo na cama. Segundo um estudo feito nos Estados Unidos por pesquisadores da
Universidade Estadual de San Diego e de Iowa, que examinaram dados de 360 mil
adolescentes, 40% dos entrevistados em 2015 dormiam menos de sete horas por
noite. Em 2009, isso ocorria com 33%. Em 1991, era o cenário de 16% deles.
No Brasil, um levantamento feito pelo Instituto do
Sono, associado à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), mostra que
paulistanos dormem, em média, 6,5 horas por dia. Outros estudos da instituição demostram que a
insônia é prevalente em 32% das mulheres. Já a apneia (dificuldade em respirar)
chega a até 40% nos homens. E 60% deles roncam.
Por que ficamos tão cansados?
Sentir-se cansado é uma descrição genérica que
ocorre pela ação de três processos no corpo. Um deles é o excesso de cortisol e
de noradrenalina. Quem dorme mal mantém durante o dia níveis mais altos desses
hormônios, relacionados ao estresse e ao estado de alerta. Eles são produzidos
após estímulo do sistema nervoso simpático, ativado em situações vistas como
perigo.
Essa região, ao ser acionada, emite ordens para que
todos os sistemas do corpo fiquem em alerta, porque supostamente estamos sob
ameaça. Há, então, um aumento da frequência dos batimentos cardíacos, da
respiração e também da pressão arterial.
Exigidas além do normal, as células oxidam, o que
contribui para uma espécie de ressaca, explica a neurologista Luciana
Palombini, especialista em medicina do sono pela Academia Americana do Sono.
“Sob estresse e com falta de sono, as células liberam toxinas. Com isso, o
corpo não funciona bem” diz.
“O sono é importante
para a qualidade de vida. As pessoas acham que reduzi-lo vai deixar mais tempo
livre para se sair melhor no trabalho. Mas é o contrário. Descansar de forma
adequada é o que justamente deixará o indivíduo mais motivado, descansado,
alegre e, inclusive, inteligente” diz Monica Andersen, diretora do Instituto do
Sono e professora de Biologia do Sono na Unifesp.
Mais doenças
De forma crônica, esse processo prejudica o sistema
imunológico e lesiona o sistema cardiovascular, ao exigir demais do coração e
das artérias. Isso também eleva o risco de doença coronária, acidentes
vasculares cerebrais (AVCs), infarto agudo, arritmia cardíaca, diabetes (sono
de má qualidade aumenta a resistência periférica à insulina), sobrepeso,
depressão e ansiedade. Além de desregular os hormônios ( como a produção
da testosterona, por exemplo).
E o cérebro também paga o pato: há indícios de que
o excesso de cortisol pode estar relacionado a um prejuízo na memória.
“A pessoa passa a ter dificuldades em reter
informações. E se esquece rapidamente das coisas” ressalta Denis Martinez,
professor do curso de pós-graduação em Cardiologia da UFRGS e especialista em
sono.
Vários estudos mostram que quem dorme mal tem mais
problemas cognitivos e emocionais. Tome como exemplo uma pesquisa feita em 2006
por médicos da Universidade de Taiwan, na China, com 2,5 mil crianças entre
seis e 15 anos. Foi observado que os pequenos com distúrbios de sono eram mais
agressivos e tinham mais problemas de atenção. “Há uma relação entre o mau sono
e o aumento do risco e da gravidade de transtornos psiquiátricos. Pesquisas
recentes indicam que adolescentes que dormem pouco têm mais índice de suicídio,
bipolaridade e depressão” diz a neurologista Luciana Palombini.
O risco de demência e Alzheimer também é aumentado,
já que o sono faz uma espécie de faxina em nosso cérebro pelo sistema
glinfático. “Com uma espécie de correnteza, esse sistema faz uma drenagem dos
restos das células e os joga na corrente sanguínea para serem eliminados. Quem
dorme mal não faz essa faxina e tem mais risco de ter demências” explica a
neurologista Luciana Palombini.
Não dormir = Centímetros a mais na cintura
E se você se preocupa com a estética,
saiba que a barriga de quem descansa pouco também sofre pênalti. Quem nunca
dormiu mal e, no dia seguinte, desejava ardentemente um fast-food? Isso ocorre
devido à alteração nos níveis de dois hormônios: a grelina, responsável pela
fome, e a leptina, que nos deixa saciados.
A alteração em ambos nos deixa com
mais vontade de comer durante o dia, em especial alimentos gordurosos. Isso foi
observado em uma pesquisa feita com mais de mil crianças por médicos da
Universidade de Harvard e de hospitais de Boston, publicada na revista
Pediatrics. Quanto menos as crianças dormiam, maior era o risco de desenvolver
obesidade a partir dos sete anos.
“A pessoa quer comer mais comidas
calóricas em vez de um frango com salada” diz Monica Andersen, da Unifesp.
Há pesquisas sugerindo que aqueles
que dormem menos de seis horas têm o metabolismo mais lento, o que ajuda a
engordar. Ou seja: quem quer emagrecer não pode só se preocupar com exercícios.
“A necessidade de sono é muito
individual, mas a exigência de sociabilidade para o dia a dia não está alinhada
com nosso ritmo biológico. As pessoas se privam de descanso sistematicamente
durante a semana. No fim de semana, há um rebote, e elas dormem até bem mais
tarde. Uma dica para ver se você está em privação: se você acordar cedo
naturalmente, o sono está adequado” ensina Daniel Suzuki Borges,
psiquiatra do Hospital de Clínicas da USP.
Energia para o dia, não para a noite
Outro ponto observado em pesquisas
sobre o tema é a falta de energia nas células. Ficar cansado é não ter energia
para nada. E quem faz tudo no nosso corpo são as células, usando como
combustível a glicose que está nos alimentos. Mas a célula não “come” glicose
assim, na forma bruta. Dentro da célula, mais especificamente na mitocôndria, a
glicose é queimada até virar uma substância chamada ATP, que dá energia para a
célula.
Começamos o dia com bastante ATP nas
células. Conforme nossos órgãos funcionam e as células trabalham, o estoque de
ATP é “queimado” até se transformar em ADP. Esse transformação é barrada pela
cafeína — por isso que ela tira, momentaneamente, nosso sono.
No fim do dia, nossos estoques de ATP
estão lá embaixo, e os de ADP, lá em cima. Ao saber disso, o corpo nos manda ir
para a cama, para recuperar o que foi gasto e fazer todo o processo que ocorreu
à luz do sol ao contrário: o ADP volta a ser ATP.
Para dormir bem
O primeiro é desligar o celular: ao
receber a luz azulada da tela, os receptores visuais da retina enviam ao
cérebro a mensagem de que ainda é dia. Enviamos uma ordem à glândula pineal,
também localizada no cérebro, para segurar a produção de um hormônio chamado
melatonina, responsável por causar sono. Essa substância, aliás, só é produzida
para valer em ambiente escuro.
Além disso, interagir em redes
sociais nos deixa vigilantes, graças ao cortisol, um hormônio ligado ao
estresse. Na prática, o organismo interpreta que você está fazendo algo
importante.
“É por isso que os celulares mais
inteligentes filtram a luz azul, apesar de ainda existir o problema de ficar
interagindo nas redes sociais“ lembra Andrea Bacelar, neurologista e presidente
da Associação Brasileira do Sono (Absono).
Outras medidas incluem: ir para cama
quando tiver realmente sono, criar uma rotina para dormir e acordar
(o relógio biológico orquestra a ação em cadeia dos hormônios conforme o
horário que você deita e levanta), deixar o quarto em ambiente escuro e tentar
comer até, no máximo, três horas antes de dormir.