Dieta específica pode aliviar sintomas gastrointestinais

por ESTADO DE MINAS / 15 Maio 2017 / Estudo Científico

Como defendia Hipócrates, pai da medicina, a comida pode ser o alimento e também o remédio

Se realmente somos o que comemos, a recíproca da famosa expressão também faz sentido, principalmente na hora de cuidar da nossa saúde gastrointestinal: os alimentos podem desencadear, mas também ser o remédio e a solução. O que comemos certo pode aliviar sintomas de desconfortos frequentes e melhorar a relação com doenças e intolerâncias. Tal cuidado é essencial, já que vários problemas gastrointestinais podem interferir de forma significativa na absorção de nutrientes importantes, como vitaminais, proteínas, carboidratos e sais minerais, acarretando vários problemas, como anemia, enfraquecimento dos ossos e desnutrição. Além disso, algumas podem comprometer a ingestão normal de alimentos, restringindo a dieta dos pacientes.

Segundo Maria do Carmo Friche Passos, presidente da Federação Brasileira de Gastroenterologia (FBG), o intestino delgado é o principal órgão responsável pela digestão e absorção dos alimentos e várias doenças que atingem esse segmento do tubo digestivo podem comprometer de maneira importante essas funções, como a doença celíaca (glúten), algumas parasitoses (giardíase maciça), tuberculose intestinal, doença de Crohn, entre outras. É fundamental que o paciente tenha diagnóstico preciso e orientação alimentar adequada, que pode ser feita pelo próprio gastroenterologista ou sob a supervisão de um nutricionista, que indicará uma dieta adequada às necessidades nutricionais e condições fisiológicas, alerta.

A síndrome do intestino irritável (SII), por exemplo, atinge de 10% a 20% da população ocidental e é responsável por grande parte dos atendimentos ambulatoriais em gastroenterologia. Mas a simples adoção de uma dieta específica e saudável poderia melhorar os sintomas dessa e de outras condições clínicas, além de proporcionar inúmeros benefícios ao organismo, como saúde, beleza, longevidade e prazer. Segundo Maria do Carmo, que é professora da Universidade Federal de Minas Gerais e da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, a alimentação correta, saudável e equilibrada e com suficiente aporte de calorias e nutrientes é essencial para o bem-estar e a qualidade de vida, principalmente em condições clínicas que exigem uma dieta específica.

É com esse objetivo que a FBG acaba de lançar uma cartilha com importantes informações sobre as dietas, sintomas e tratamentos de doenças, como síndrome do intestino irritável (SII), doença celíaca, constipação intestinal, dispepsia funcional, flatulência, intolerância à lactose e à frutose e doenças do esôfago. Segundo Maria do Carmo, o objetivo é sensibilizar e orientar a população sobre a importância da implementação de uma correta alimentação, além da adoção de um estilo de vida mais saudável. Como já dizia Hipócrates, o pai da medicina, 'Que a comida seja o teu alimento e o alimento, o teu remédio, defende a especialista. (Veja cada uma das dietas na página 4).

TENDÊNCIAS

Muito do que encabeça a lista de alimentos saudáveis é conhecido da população, mas novos estudos permitiram o desenvolvimento de dietas para a saúde intestinal. Uma delas é a Dieta FODMAP, palavra formada pelas iniciais de um conjunto de carboidratos, que podem ser de difícil digestão para algumas pessoas (fermentable oligosaccharides, disaccharides, monosaccharides and polyols). Segundo Maria do Carmo, os oligossacarídeos, dissacarídeos, monossacarídeos e polióis são alimentos fermentáveis, que, por ser mal absorvidos pelo trato digestivo humano, podem causar desconforto intestinal. A formação de gases pela microbiota intestinal acaba desencadeando os referidos sintomas.

A dieta foi descrita há cerca de cinco anos, na Austrália, e tem se mostrado eficaz para os pacientes portadores da Síndrome do Intestino Irritável com quadro de flatulência excessiva e diarreia crônica sem uma causa específica. Como a dieta é constituída por algumas classes de alimentos, sugere-se retirar todos por um curto período e ir voltando com cada um dos grupos alimentares. Se o paciente piora ao reintroduzir um determinado grupo de alimentos, possivelmente, ele é intolerante àquele grupo e esses alimentos devem ser evitados, explica Maria do Carmo, que reforça que essa dieta somente está indicada para pacientes portadores da Síndrome do Intestino Irritável ou síndromes associadas aos gases e à diarreia, sempre sob orientação médica.

Alimentos bem-vindos

Há hoje inúmeros tipos de dietas para promover o bem-estar e, especialmente, auxiliar na manutenção da saúde digestiva. Mas o ideal é que se leve em conta as suas necessidades.
Para a nutricionista clínica esportiva Cássia Nascimento, o ideal é que as pessoas procurem ajuda especializada para ter a dieta como aliada.
Ora o ovo é bom, ora inimigo do colesterol... O tomate faz bem pra isso, mas piora aquilo... Manteiga ou margarina E assim vão surgindo as dúvidas da população sobre quais alimentos são bem-vindos... ou não. Segundo Maria do Carmo Friche Passos, presidente da Federação Brasileira de Gastroenterologia e professora associada da Universidade Federal de Minas Gerais e da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, os conhecimentos avançam, muitas pesquisas são realizadas e, realmente, alguns conceitos em relação aos alimentos podem mudar. Existem inúmeros tipos de dieta que acusam um ou outro alimento como vilão, como a dieta das proteínas, dos carboidratos, do grupo sanguíneo, entre outras. Mas sabemos bem que os melhores alimentos ou a melhor dieta é aquela que promove ou auxilia na manutenção da saúde digestiva e do ser humano. O ideal é que não seja muito restritiva e que leve o indivíduo a uma reeducação alimentar, defende a especialista.

Embora muita mãe corte os líquidos entre as refeições, eles são fundamentais para a boa saúde intestinal. E esse é apenas um exemplo de coisas que pensamos fazer certo, mas que fazemos errado. Estudos muito recentes mostram que uma dieta rica em legumes, verduras e frutas ajuda na manutenção de uma microbiota (flora) intestinal mais saudável e diversificada, mantendo a eubiose, e isso tem relação direta com a manutenção da nossa saúde. Uma dieta 'americanizada' pode favorecer o desenvolvimento de microrganismos potencialmente patogênicos, promovendo a disbiose, e favorecendo o aparecimento de doenças digestivas e extradigestivas crônicas. O bom senso é sempre a melhor opção na escolha da dieta nada de restrições importantes para quem não tem intolerâncias alimentares importantes e nada de dietas muito gordurosas e industrializadas em excesso, reforça Maria do Carmo.

Segundo a nutricionista clínica esportiva Cássia Nascimento, mestre em ciências do esporte, nem devemos falar em alimentos importantes para a saúde intestinal, e sim em uma alimentação saudável e equilibrada, capaz de ofertar ao corpo todos os nutrientes indispensáveis à saúde. A função da microflora intestinal é fermentar algumas substâncias ingeridas na dieta, a fim de que possamos absorvê-las e aproveitá-las. No entanto, é necessária a manutenção dessa microflora, para que não haja um desequilíbrio entre as espécies bacterianas presentes, causando, assim, desconfortos às pessoas que sofrem desse desequilíbrio, tais como diarreia, obstipação, queda na absorção de minerais, alerta. E nesses desconfortos, síndromes e intolerâncias, novamente o que faz bem para uns, não fará para outros. O ideal é que as pessoas reconheçam suas dificuldades e procurem ajuda especializada para ter a dieta como aliada.

Na Síndrome do Intestino Irritável, por exemplo, é preciso evitar o excesso de gorduras e carboidratos não digeríveis (fibras), como carnes gordurosas, frituras, além das fibras em excesso (aveia, linhaça, chia). Para quem sofre com flatulência, a orientação é diferente. Priorize uma alimentação com carboidratos sem glúten (à base de arroz), proteínas magras (frango, peixes, carne vermelha magra) e evite nutrientes que fermentem no intestino, caso de fibras (aveia, linhaça, chia), brócolis, feijão, cebola, repolho, couve-flor, cenouras, trigo, explica. Já na constipação intestinal, as fibras são bem-vindas. É preciso priorizar o consumo de aveia, farelos, chia, linhaça, pães integrais e frutas de uma forma geral, de preferência com a casca, além de líquidos ao longo do dia (água, sucos e chás). Consumir iogurte natural batido com ameixa-preta sem caroço uma vez ao dia é uma ótima dica, segundo a nutricionista.

DIAGNÓSTICO

Intolerantes à frutose devem passar longe do xarope de milho, mel, figo, maçã, banana, uva, manga, melancia, caqui, ameixa e de algumas leguminosas, como o feijão-branco. E os doentes celíacos devem priorizar pães, bolos e biscoitos à base de farinhas sem glúten, ou aqueles com farinha de arroz ou cereais, como aveia e granola. Intolerantes à lactose devem seguir orientações em função do nível de sua intolerância, mas, de forma geral, é preciso evitar os alimentos ricos em lactose. Os derivados do leite, com menos quantidade de lactose, normalmente são mais aceitáveis. A pedagoga Bethânia Alves Silva Moreira, de 39 anos, sabe bem do desconforto de ser intolerante ao leite. Há alguns anos, ela já passava mal quando consumia esse alimento e seus derivados, mas o diagnóstico só veio há seis meses. Tinha enjoos, enxaqueca e dificuldade de digestão, agora que adotei a dieta, tenho muito mais disposição, já que não passo mal como antes, comemora.

Bethânia tratava de gastrite, quando o gastroenterologista quis pesquisar melhor a questão do consumo da lactose. Ela fez o teste e esse foi positivo para a intolerância, que, no seu caso, é muito forte. Passei a tomar tudo sem lactose. Hoje, há muita opção, há linhas completas de leites e derivados para pessoas com intolerância. A única coisa que ainda não achei e tenho vontade de comer é sorvete, conta. Bethânia acredita que ter a opção de abordar um problema apenas mudando a alimentação é o ideal, mas aproveita outros recursos que melhoram seu dia a dia com o problema. Nos fins de semana, por exemplo, ou quando tem festas, ela usa o comprimido de lactase, a enzima que processa a lactose, e pode comer com menos restrições. Apesar de estar liberada para usá-lo com frequência, preferiu investir na dieta. Além disso, aprendi a olhar todos os rótulos do que como. Mesmo pequenas quantidades de leite em biscoitos e pães podem me fazer mal.

Fonte: ESTADO DE MINAS

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